sábado, 25 de dezembro de 2010

Solenidade do Natal¹

 Clauber Rosivan Santos de Almeida²

“Expergiscere, homo: quia pro te Deus factus est homo”. (Santo Agostinho, Sermões, 185). É com esta solicitação de Agostinho, cujo sentido autêntico do Natal de Cristo arresta, que principiamos esta nossa reflexão, pois verdadeiramente Deus fez-se homem por nossa causa.
Antes de nos debruçarmos sobre as solenidades natalícias devemos escutar o testemunho da Escritura sobre o Natal de Cristo, particularmente o Evangelho segundo Lucas. Este é, de fato, o evangelista que estilisticamente melhor apresenta-o. Comumente denominado de “Evangelho da infância” e encontrado nos capítulos I e II, esta narrativa é uma construção literária lucana. Acrescentado depois ao corpo do Evangelho encontramos nesses capítulos os títulos cristológicos a luz da Páscoa e alguns de eleição messiânica: Filho do Altíssimo (1, 32); Santo (1, 35); Senhor (1, 43, 73); força de Salvação (1, 69); Astro das alturas (1, 78); Salvador (2, 14); Cristo Senhor (2, 11); Cristo do Senhor (2, 26); Salvação (2, 30); luz das nações (2, 32); Glória de Israel (2, 32); Sinal de Contradição (2, 34); Redenção de Jerusalém (2, 38) e [Meu Pai] Jesus é Filho (2, 49). Para Lucas Jesus sempre é Filho de Deus, por isso ele dá esse título já na infância. É uma perspectiva “regressiva” até a infância.
Mas, afinal, o que é o “Evangelho da infância”? É uma apresentação da identidade de Jesus a luz da Páscoa. Com outras palavras, uma síntese, um prólogo cristológico. É um recurso literário, como já frisamos, para apresentar um grande personagem em vista do seu futuro. (Literatura profana). No relato da infância objetiva-se mostrar a grandiosidade do personagem, portanto. [Tendo tecido, então, um pequeno comentário acerca do testemunho bíblico, retomemos com mais especificidade nossa reflexão].
Deus fez-se homem e veio livre e voluntariamente morar entre nós para nos comunicar sua vida. Todos os anos é esta a epístola comunicada e comunicante do Amor que desde sempre nos ama primeiro e por isso mesmo toma a iniciativa de nos visitar. Esta visita é salvífica. E afetados por esta verdade, irrompe em nosso coração um canto novo, pois Deus é conosco (Emanuel). 
Contemplando aquela Criança (talia, palavra hebraica que também significa servo) reconhece-se a “caligrafia de Deus” marcando (marca salvífica, por isso irreversível, definitiva, plena, eficaz, eterna) com sua escrita a Criação cuja autêntica hermenêutica é o poder Dele opondo-se ao poder segundo as perspectivas humanas que pensa a transformação com armas do ódio e da destruição. A Criança indefesa como paciente cordeiro, primícias da Cruz, apresenta a arma da bondade. Revelando-se como criança, o príncipe da paz, dá a vida, não à tira, contrapondo assim as potências destrutivas da violência. É assim que Ele nos salva.
O Natal é festa de luz e de paz. O Filho eterno de Deus dirigi-se a cada um de nós interpelando-nos para Nele renascermos. Neste sentido, o Natal tem um duplo e indissociável movimento: Cristo nascendo em nós e nós Nele. Natal é encontro, é arrebato interior e gaudium propagado no universo porque a Criancinha da humilde e silenciosa gruta de Belém é verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem. (Ele é Filho de Deus, é Filho do Homem). A sua humanidade encerra todos nós Nele. Ele nos pertence e nós a Ele. Nele a humanidade recomeça e chega ao seu fim, com Ele passamos a viver eternamente na comunhão com a Santíssima Trindade.
Assim, justifica-se o convite de Agostinho: “Desperta, homem, porque por ti Deus se fez homem”. (Sermões, 185).
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¹ O título justifica-se pelo fato de que o Natal é parte integrante do Evento Pascal.
² Católico.

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